Associações de cidadãos querem uma Lisboa vivida por todos, não apenas consumida por alguns. Pedem diferenciação fiscal para fins turísticos, incentivos à colocação no mercado de edifícios devolutos e mecanismos de controlo das rendas.
Morar em Lisboa é um privilégio de poucos e um direito praticamente inacessível às famílias portuguesas: são estas as acusações que estão na base de uma carta aberta escrita por várias associações de cidadãos de Lisboa. Culpam o Estado e o seu apoio ao investimento privado no mercado imobiliário pela drástica subida dos preços da habitação na capital e pela expulsão dos habitantes do centro da cidade.
Na carta, dirigida ao Governo, deputados e município, os signatários pedem uma nova política de habitação e de ordenamento do território, com diferenciação fiscal para fins turísticos, incentivos à colocação no mercado de edifícios devolutos, mecanismos de controlo das rendas e que impeçam os despejos sem assegurar o realojamento dos residentes. Pedem ainda que sejam estabelecidas parcerias com os sectores privado e social.
Este pedido surge numa altura em que consideram inadiável que se controle o uso temporário da habitação para efeitos turísticos. Pedem que seja privilegiado o alojamento permanente, algo que, notam, já foi feito noutras cidades europeias, nos Estados Unidos e no Canadá.
Entre os subscritores da carta aberta estão associações como Academia Cidadã, Associação de Inquilinos Lisbonense, Associação de Moradores do Bairro Alto, Colectivo Habita, Associação pelo Património e População de Alfama, Renovar a Mouraria e o movimento "Quem Vai Poder Morar em Lisboa?". O arquitecto Manuel Graça Dias também consta da lista de signatários, ainda em fase de recolha de assinaturas.
Nos últimos três/quatro anos, os preços da habitação para arrendamento aumentaram entre 13% e 36%, e para aquisição subiram até 46%, consoante as zonas da cidade, lê na carta agora divulgada. As associações estimam que com estes preços, o pagamento da habitação represente entre 40% a 60% do rendimento familiar. Os padrões comuns aconselham uma taxa de esforço até 30%, acrescentam.
Traçam um diagnóstico: vivem numa cidade cujo centro tem uma oferta insuficiente e uma excessiva subida nos preços na habitação, que continua a perder população, onde há cada vez menos jovens e menos comunidades que são expulsas para a periferia. Está-se a tornar o acesso à habitação nas áreas centrais das cidades um privilégio dos mais ricos, uma situação que vêem alastrar por toda a cidade.
Culpam a Lei do Arrendamento que, em 2012, deu mais poder aos senhorios e facilitou os despejos, acreditam. Com isto, o comércio local deixou em igual medida que os seus habitantes o centro das áreas urbanas.
E somam a isto a especulação imobiliária pela afluência de novos residentes estrangeiros. Acusam o Regime Fiscal para Residentes Não Habituais e o Golden Visa Portugal de ter criado um acesso desigual ao mercado: Em ambos os casos beneficia os cidadãos estrangeiros com grandes reduções e mesmo isenções de impostos, introduzindo desigualdade entre estes e os residentes permanentes, portugueses ou estrangeiros, que não têm quaisquer benefícios fiscais. Sem descurar a importância e o interesse estratégico da Indústria do Turismo, acreditam que a actividade não pode decorrer de uma situação meramente conjuntural, devendo ser planeada sob uma visão sustentável e integrada.
Profundamente preocupados com o processo de gentrificação que, dizem, está a tomar a cidade a partir do centro, os signatários pedem ao governo e ao município uma política que faça da capital, que se pretende habitada, plural e diversificada, uma cidade para ser vivida por todos e não apenas aceleradamente consumida por alguns.